A desumanização da arte – a perniciosa teoria da arte de Ortega Y Gasset
Como admiro o filósofo e crítico de arte espanhol Jose Ortega y Gasset (1883 – 1955) há muitos anos, reluto em revisar qualquer um de seus livros. Seu estilo de escrita oferece um ângulo peculiar de visão sobre cultura, filosofia e arte. Como resultado, há anos sou um consumidor, sempre tirando de seu trabalho e nunca dando nada em troca.
Mas agora é hora de devolver algo. Então, aqui estão alguns gostos e desgostos muito pessoais.
O título do livro de Ortega -A desumanização da arte- é agora uma constante na música, na literatura, na estética e na filosofia, tendo passado a significar que nos tempos pós-modernos a forma humana mimese (representação do humano) é irrelevante para o art.
Segundo Ortega, as artes não precisam contar uma história humana; a arte deve se preocupar com suas próprias formas – e não com a forma humana. O ensaio, dividido em 13 subseções, foi originalmente publicado em 1925; nessas breves seções, Ortega discutiu a novidade da arte não representacional e procurou torná-la mais compreensível para um público muito entorpecido com as formas tradicionais de arte.
Uma busca pela substância da arte tradicional
Na primeira seção intitulada “A impopularidade da nova arte”, Ortega extrai de seu credo político que se pode dizer que é elitista, aristocrático e antipopular. Sua análise conclui com a crença de que algumas pessoas são melhores que outras; que alguns são superiores a outros: “Por trás de toda a vida contemporânea espreita a provocativa e profunda injustiça da suposição de que os homens são realmente criados iguais.”
Esse ponto de vista político inflexível colore seu esteticismo.
As massas, ele afirma, nunca entenderão a “nova arte” que estava surgindo com Debussy e Stravinsky (música), Pirandello (teatro) e Mallarmé (poesia). A falta de compreensão mobilizará as massas -termo que Ortega usa com frequência para se referir ao povo- para não gostar e rejeitar a nova arte. Portanto, a nova arte será a arte dos ilustres, dos cultos e dos poucos.
Trazer esse tipo de ferramenta de divisão – poucos contra muitos, aristocratas contra democratas – para as artes parece não apenas tacanho, mas também hipócrita. No entanto, minha principal objeção à análise e conclusões de Ortega é mais fundamental. Na minha opinião, ‘compreensão’ nas artes é de importância secundária. As artes são criadas por humanos para alcançar e tocar outros humanos por meio de apelos às suas paixões e emoções – por meio de seus sentidos.
Quando eu tinha 14 anos, por acaso, ouvi uma composição musical tão diferente e estranha aos meus ouvidos jovens que me levou a ligar para a estação de rádio para saber sobre aquela peça. Era Appalachian Spring, uma composição de balé de Aaron Copland. Que garoto de 14 anos dos Andes (Peru) pode estar familiarizado com balé ou Aaron Copland para começar a entender a composição? No entanto, eu gostei. E isso é tudo o que importava para mim.
Compreender aquela peça musical, ou mesmo saber o nome do compositor, estava tão longe da minha mente quanto a teoria da relatividade de Einstein, já que eu também não fazia ideia de quem era Einstein. Deleite, prazer e êxtase se sente sem compreensão expressa.
Ao exaltar as novas formas e promover os artistas de vanguarda e seus esforços para produzir arte não tradicional, o livro de Ortega teve uma influência significativa na rejeição do realismo e do romantismo. A prosa de Ortega era tão sedutora e convincente que muitos artistas e críticos começaram a igualar realismo e romantismo com vulgaridade.
Permitir que um escritor brilhante exerça tanta autoridade deveria ser um pecado. Durante anos a autoridade de Ortega me incomodou. No entanto, apesar desse aborrecimento interior, meu respeito pelos escritos do homem me inibiu de protestar. Assim, despojando a deslumbrante prosa de Ortega de sua sedução -ao “colocar entre parênteses” e realizando uma redução fenomenológica- podemos vê-la em sua própria nudez pelo que ela é: um ponto de vista elitista e prejudicial.
As pessoas nunca devem se envergonhar de seus gostos, gostos e desgostos na arte. Devemos desfrutar desse toque de deleite estético, seja ele primitivo, grego, gótico, românico, barroco, realismo ou romantismo, surrealismo ou qualquer período ou movimento.
Ortega defende a ‘pureza objetiva’ da realidade observada
Seguindo a divisão da realidade de Platão nas formas (universais) e seus simulacros, Ortega inventa seus próprios termos correspondentes: ‘realidade observada’ e ‘realidade vivida’.
A representação de coisas reais (realidade vivida) – homem, casa, montanha – Ortega chama de “fraudes estéticas”. Ortega não gosta totalmente de objetos, sejam eles feitos pelo homem ou naturais: “Muito do que chamei de desumanização e repulsa pelas formas vivas é inspirado por essa aversão contra a interpretação tradicional das realidades.”
Em contraste, a representação de ideias (realidade observada) é o que ele vê como a verdadeira arte. Portanto, ele elogia a nova arte como a destruidora do semblante, da semelhança, da semelhança ou da mimese. Nessa destruição das velhas formas humanas de arte reside a “desumanização” de Ortega.
No entanto, é preciso lembrar que, há mais de 2.500 anos, o filósofo pré-socrático Protágoras disse: “O homem é a medida de todas as coisas: das coisas que são, enquanto são, e das coisas que não são, enquanto não são”. .” A vontade de Ortega de “desumanizar” a arte sempre vai bater de frente com a parede de Protágoras. A arte por definição – tudo o que é feito pelo homem – é profundamente humana e não pode ser de outra forma, apesar de Ortega.
Mesmo nas telas duras de pintores como Mark Rothko sente-se a humanidade do artista em busca da alma humana através da cor e da luminosidade. Mesmo nas gotas aleatórias das obras de Jackson Pollock, pode-se sentir a luta do homem pela liberdade. E o que é a liberdade senão uma aspiração humana?
Conclusão
Sempre que olho para as formas da arte africana primitiva, as imagens paleolíticas de animais nas cavernas de Lascaux, ou mesmo as grades coloridas e equilibradas de Mondrian, fico maravilhado com o espírito humano. E nessas horas sinto que rótulos, sinais, marcações, explicações e descrições (teorias) são totalmente desnecessários.
O que precisamos são teorias da arte que possam unir as pessoas em vez de dividi-las. A “desumanização” de Ortega é uma teoria tóxica não porque advoga um elitismo detestável, mas porque tenta negar os prazeres da arte às pessoas comuns.